Art Basel OVR: Pioneers: Mira Schendel

Março 24 - 27, 2021 

A Bergamin & Gomide tem o prazer de apresentar obras de Mira Schendel (1919-1988) no Art Basel OVR: Pioneers, que acontece na plataforma virtual da @artbasel, entre os dias 24 a 27 de março de 2021.

 

O grande espaço vazio é uma coisa que me comove profundamente” - Mira Schendel

 

Mira Schendel foi uma artista pioneira que deu vazão a inquietações e interesses que a acompanharam desde o início da sua carreira, como a sua fascinação sobre a expressão do vazio, a experiência do tempo, o estar no mundo e os mistérios da transparência.

 

O projeto "Acidente e síntese sobre o papel" apresenta uma seleção de trabalhos raros produzidos nos anos 1960 e 1970 a partir das experimentações da artista com folhas de papel de arroz japonês.

 

A artista suíça radicada no Brasil, para onde se mudou em 1949, desenvolveu e trabalhou com a sua fascinação pelo vazio sobretudo a partir das suas experimentações com as inúmeras folhas de papel de arroz japonês que ganhou de presente no início da década de 1960. Criando séries como as Monotipias (1964-1967), as Droguinhas (produzidas principalmente na segunda metade da década de 1960) e os Toquinhos (produzidos principalmente entre o fim da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970) presentes nesse projeto, Schendel deu vazão a inquietações e interesses que a acompanhavam desde o início da sua carreira artística (ainda que de forma menos evidente), tais como: a expressão do vazio, a experiência do tempo, o estar no mundo e os mistérios da transparência.

 

A série Monotipias é composta de cerca de dois mil trabalhos produzidos por Mira Schendel de modo bastante original, uma vez que a artista adaptou a técnica da monotipia a fim de intervir sobre o papel de arroz sem rasgá-lo, dada a sua delicadeza e fragilidade. Assim, como descreve Rodrigo Naves em seu texto “Pelas Costas” (1996): “Mira Schendel desenhava pelo avesso do papel: entintava uma lâmina de vidro, polvilhava sobre ela uma leve camada de talco – para que o papel não absorvesse de imediato a tinta –, colocava a folha de papel de arroz sobre o vidro e então traçava suas linhas na superfície branca, usando a unha, o dedo ou qualquer instrumento mais ou menos pontiagudo que permitisse o contato entre o papel e a tinta.” Esse modo de desenhar e marcar o papel implicaria em um desprendimento do controle sobre o resultado final, já que os anteparos que tornam a técnica viável agem por si mesmos, aquém ao controle da artista – e, justamente, à Mira parecem interessar esses pequenos acidentes. Dessa forma, muitas vezes vemos espécies de borrões, uns mais claros, outros mais escuros, em torno das precisas e finas linhas que delimitam o vazio do papel, marcas da tinta que penetrava um pouco mais aqui e acolá.

 

Entre as formas de ativar o vazio que Schendel experimentou, o jogo com o traçado das letras e das palavras que por vezes elas formam é um aspecto marcante das Monotipias. Mais relevante do que interpretar um sentido oculto da obra por trás do significado dessas palavras que surgem sobre o papel, a escrita de Mira interessa pelo modo primordial como explora a linguagem, como se desejasse voltar à sua origem. Assim, vemos um vocabulário composto de setas, rabiscos, rasuras e palavras cortadas, reescritas, atravessadas por tinta e linhas que falam do/com o mundo: seja o mundo natural (Umwelt: winter, frost), seja o mundo social (Mitwelt) ou seja o mundo interior (Eigenwelt). Vilém Flusser chama esses escritos de “pré-textos” em seu ensaio “Indagações sobre a origem da língua” (1967) e indica de modo certeiro como devemos encará-los: “Os escritos de Mira não são textos. Não falam sobre. Por isso não podem ser lidos como representando algo. São pré-textos. São como um texto é antes de ser texto. Falam-se. Ainda não representam algo, embora o façam quase. São quase-simbólicos os pré-textos de Mira.”

 

Ao desenvolver as Droguinhas, Schendel evidencia ainda mais seu interesse sobre o próprio papel e sobre as qualidades expressivas que ele agrega. A artista, então, já não desenharia mais sobre o papel, mas com o papel, em um procedimento de síntese que não é nada austero nem resoluto, mas que demonstra uma profunda intimidade da artista para com a sua produção. Mira comenta, em cartas datadas de 1965 e 1966 a Guy Brett, a importância dessas Droguinhas (pequenas coisinhas torcidas e emboladas cujo nome foi dado pela filha da artista quando criança) dentro de sua práxis: “Comecei um novo trabalho, talvez mais importante para mim do que qualquer trabalho anterior. ‘Escultura’ no mesmo papel de arroz dos desenhos.” e “A palavra ‘escultura’ empregada aqui soa ridícula, mas que mais poderia ser? Este novo trabalho significa, no meu entender, um passo além dos desenhos.” Schendel estranha o uso da palavra escultura pois entende que seus “objetos” nasceram menos de uma intenção de ocupar o espaço adicionando volume a ele e mais de uma investigação sobre a transparência e a interação do tempo com as coisas. Ainda sobre “os objetos que fez”, ela acrescenta: “Eles surgiram, de certo modo, do acaso e da curiosidade.”

 

Os Toquinhos presentes na seleção, por sua vez, aportam ainda uma outra faceta das experimentações de Mira com o papel japonês. Produzidos entre 1972 e 1974, diferem dos Toquinhos de acrílico do fim da década de 1960, guardando como elemento comum os decalques de letraset. A artista passa a trabalhar com letraset sobretudo a partir da sua série Objetos Gráficos (que começa a produzir em 1967), de modo que progressivamente a escrita cursiva dá lugar ao que Max Bense chama de “reduções gráficas” em texto homônimo de 1967. Nesses Toquinhos, Schendel cria camadas colando sobre o papel japonês quadrados de papel (tingidos ou não) normalmente acompanhados de sinais de pontuação e/ou letras. Bense ainda comenta no mesmo texto aspectos do trabalho de Mira que se reafirmam nessa composição: “Sua redução gráfica suspende a estrutura linguística em favor da pictórica. Uma letra comporta-se como um ponto, a cadeia das letras como uma linha, e várias letras-linhas determinam superfícies, contornando-as ou abrindo-as de plano no espaço. (...) Palavras, que se tornem perceptíveis, serão causais eventos-de-palavras no percurso visual dos traços dos dedos sobre o papel.”