Lenora de Barros Brasil, 1953

Levando à frente o legado do concretismo brasileiro, movimento com o qual teve contato desde a infância através do seu pai, Geraldo de Barros, Lenora parte do rigor concreto, formal e consciente, para produzir uma obra híbrida e lúdica, em que seu corpo, sua voz e seu imaginário colocam-se em jogo. Para Augusto de Campos, LB “se situa no front ousado” do que ele chama de “artistas do entre”, produzindo uma “artepoesia” que “põe em xeque definições, categorias e limites”.

Entre os trabalhos mais marcantes do início de sua carreira estão Poema (1979) e Homenagem a George Segal (1985), ambos presentes na exposição Radical Women: Latin American Art, 1960–1985 (2017- 2018), com curadoria de Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta, que foi apresentada no Hammer Museum (Los Angeles), Brooklyn Museum (Nova York) e na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Homenagem a George Segal teve seu início dez anos antes, em 1975, quando a artista registrou por meio de fotos o processo em que, ao escovar os dentes deixava o gesto transbordar para todo o rosto, até se transformar em uma figura próxima das esculturas despersonalizadas de Segal. Uma década depois, a partir deste trabalho, a artista registrou a sua primeira videoperformance em caráter pioneiro no Brasil. Já em Poema (1979), LB investigou o que há de literal no sentido, para, justamente, criar novas camadas de significação que vão além do óbvio. Nessa fotoperformance a artista roça a língua nas teclas da máquina de escrever, explorando física e plasticamente a fusão conceitual que existe entre a língua-corpo e a língua-idioma. O gesto é simples e explícito, mas dispara um sem- número de reflexões, onde o título coroa a obra com um tom quase provocativo, sobretudo para aqueles que não aceitam que o poema ande por aí fora da página.

Lenora de Barros produziu diversos trabalhos protagonizados pela sua língua, como Língua Vertebral e No país da língua grande, dai carne a quem quer carne, parte da instalação A Contribuição Multimilionária de Todos os Erros produzida por LB, Walter Silveira e Arnaldo Antunes para a 24a Bienal de São Paulo, em 1998. A obra N o país da língua grande.... - que na “Bienal da Antropofagia” de 1998 era uma instalação sonora combinada a plotagens fotográficas - desdobrou-se, em 2006, em uma videoperformance em que a artista come a própria língua. Entre as inspirações para este trabalho, estavam as reflexões e o interesse da artista sobre o binômio língua-linguagem, mas também, uma conversa que LB tivera na sua adolescência com o poeta Décio Pignatari. Nela, Lenora pergunta a Décio: “o que é metalinguagem?”, no que ele responde: “metalinguagem é a boca que come a boca que morde a língua”.

A artista constrói a sua obra de modo coerente e em constante diálogo com o que já produziu, criando performances que se desdobram em instalações, vídeos, fotografias, e assim por diante. Como na série Ping-poems, em que usa bolas de pingue-pongue para estabelecer jogos visuais e sonoros, presentes nas obras Á cida cidade (1994) e Ping-poems para Boris (2000). Esta investigação remonta à sua primeira exposição individual na galeria Mercato del Sale, em Milão, intitulada Poesia é coisa de nada (1990).

Outro trabalho marcante de Lenora de Barros é Procuro-me (2001), que deriva das a obra Hair Styles (1994), uma série de fotos publicadas na coluna ...Umas., que a artista manteve de 1993 a 1996, no Jornal da Tarde. Em Hair Styles, com a mesma expressão facial de perplexidade, LB aparece com diferentes penteados artificialmente arranjados por um software de cabeleireiros. A ideia do trabalho Procuro-me veio em 2001, após o atentado ao World Trade Center e a propagação de imagens de Osama Bin Laden com o anúncio “Procura-se”.