Na ocasião da Art Basel Miami Beach 2025, a Gomide&Co apresenta um Kabinett dedicado à obra de Glauco Rodrigues (1929–2004), um dos mais instigantes cronistas visuais da cultura brasileira.
A seleção foca em obras produzidas entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970, período em que o artista passou a tensionar criticamente os símbolos nacionais, as narrativas oficiais da história do país e os efeitos da cultura de massa. O projeto parte do texto Acontece que somos canibais, escrito pela antropóloga e curadora Lilia Moritz Schwarcz para a exposição homônima realizada pela galeria em 2021, que identifica no artista a criação de uma “história visual do Brasil” marcada por humor, ambiguidade e crítica social. Suas pinturas desse período apresentam fundos brancos sobre os quais se sobrepõem figuras indígenas, frutas tropicais, frases incisivas e personagens populares, compondo um universo ao mesmo tempo festivo e marcado pela sátira, ambiguidade e crítica social.
Autodidata, Rodrigues iniciou a carreira nos clubes de gravura de Bagé (sua cidade natal) e Porto Alegre, desenvolvendo ao longo das décadas uma obra que atravessa o modernismo tardio. Em sua fase brasilianista e antropofágica, o artista apropria-se das cores fluorescentes da publicidade e dos modos de reprodução gráfica para desmontar – e não exaltar – seus signos. É o caso de obras como Menino Txucarramãe (1974), Pau-Brasil (Iboty-îaba, o desabrochar da flor I) (1975), A República Velha (da série Aquarela do Brasil, 1977) e Os Caxinauás famintos estão (da série A lenda do Coatipuru, 1977), em que o artista revisita símbolos nacionais e narrativas canônicas para produzir releituras irreverentes e críticas.
Atualizando o gesto antropofágico de Tarsila do Amaral e dos modernistas, Rodrigues devora ícones e narrativas canônicas para revelar um Brasil contraditório, plural e impuro. Em um contexto em que bandeiras e símbolos nacionais voltaram a ser instrumentalizados por discursos conservadores, sua obra reafirma o poder da arte em expor – com humor e lucidez – as contradições do imaginário coletivo brasileiro.
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