Bruno Munari, Sempre Uma Coisa Nova

Março 7, 2020 - Maio 1, 2021

A Galeria Bergamin Gomide, para a exposição Bruno Munari, Sempre uma Coisa Nova, apresenta um notável grupo de obras do artista italiano considerado uma das figuras multifacetadas da arte do século XX. O título, derivado do famoso livro Da cosa nasce cosa [Da coisa nasce coisa], sugere a dimensão de sua obra e da pesquisa que desenvolveu desde o início da década de 1920 até o término da sua carreira, mais de 70 anos depois, em 1998.

 

Munari produziu, durante sua longa trajetória, uma ideia verdadeira e própria de realidade alternativa, pertencendo ao pequeno grupo de figuras essenciais da arte do século passado. Foi um importante artista, designer e pedagogo, dialogando constantemente com diversas técnicas e linguagens artísticas. Munari é uma das raras figuras que conhecemos na história da arte recente que se pode definircomo “leonardesca”. Extremamente irônico consigo mesmo, sempre se preservou do sentimento de pertencimento a qualquer grupo ou movimento artístico: “Tive muito sucesso, apesar da indiferença geral em relação a mim”, dizia de si mesmo.

 

Geometria e refinamento de espírito, fantasia e método, rigor e ironia, são palavras-chaves para entender o conjunto de sua obra, ou, como diria ele, para entrar em contato com ele, pois basta começar a explicar uma obra para que ela deixe de existir. Bayer, László Moholy-Nagy, Max Bill, Theo van Doesburg e Francis Picabia foram para ele referências artísticas, assim como Filippo TommasoMarinetti e um dos mais importantes visionários e experimentais entre os artistas das primeiras décadas do século passado: Prampolini. Em 1942, publica o livro Le macchine inutili [As Máquinas Inúteis] – uma década após sua primeira escultura homônima – inspirado em uma estética maquinária muito atual à época. Dadaísmo e Surrealismo coexistem em sua obra, evidenciando a constante atitude antipositivista que o levava a sintetizar a relação entre conceito, forma e estilo, indo além das problemáticas de matriz vanguardista. Veríamos surgir, desde então, obras como os Negativi positivi [Negativos Positivos], nas quais o artista condensa uma busca pela pureza visual no sentido de dar às cores uma vitalidade única e intrínseca, e as Curve di Peano [Curvas de Peano], germinações infinitesimais de formas contidas e ocultas nos átomos dos elementos. Com essas obras, Munari demonstra ter o conhecimento de um livro fundamental para muitos artistas do século XX: On Growth and Form [Sobre o Crescimento e as Formas], de D’Arcy Thompson, publicado em 1917 e amplamente citado em Fantasia.

 

Um momento crucial ocorreu em 1962, quando idealizou e criou, para a Olivetti Munari, a mostra Arte programmata. Arte cinetica. Opere moltiplicate. Opera Aperta. [Arte Programada. Arte Cinética. Obras Multiplicadas. Obra Aberta.] exibida na Galeria Vittorio Emanuele. Arte programmata é uma das invenções linguísticas de Bruno Munari, que define assim as obras em que o movimento é um elemento constitutivo intencional, não acidental. A obra de arte transformava-se, assim, num sujeito/ objeto visual criado para produzir uma experiência gestáltica específica. Portanto, a ilegibilidade de uma única imagem estática predominante e a interação mútua dos elementos em campo passam a ser aspectos fundamentais da sua obra. O tema da diversidade-mutação volta, ainda, em Presenza degli antenati [Presença dos Antepassados] e em Guardiamoci negli occhi [Olhemo-nos nos Olhos], que retomam por outra via o Libro illeggibile [Livro Ilegível]: é a constante mutabilidade dentro da persistência de uma forma como o rosto, ou a descendência humana; a continuidade- descontinuidade lado a lado na fenomenologia do real.

 

Nessa altura surgem os escritos ilegíveis de populações antigas e as distorções e interpretações de objetos de uso comum, como garfos que se transformam em alfabeto e gestos. Ao longo desses anos, Munari se afastou do movimento da arte programada ou cinética e experimentou métodos de criação relacionados aos preceitos da filosofia Zen, da dialética entre o princípio do cheio e do vazio. Entre fevereiro e maio de 1967, ele recebeu um convite de Harvard, onde ensinou Explorações Avançadas e Comunicação Visual e publicou um livro muito técnico sobre os novos meios de comunicação visual, intitulado “Design e comunicazione” [Design e Comunicação]. Nele, um radicalismo irônico, ciente de uma epistemologia transdisciplinar, fez dele uma das figuras mais autônomas e extraordinárias do século passado. Podemos continuar falando sobre ele como escritor, publicitário, diretor experimental e propositor de uma prática artística que atua como ferramenta de ação política e intervenção social, como em Campo Urbano, em 1969.

 

Para entrar no mundo de Munari, é importante ter em mente sua participação contínua na escolha, organização e discussão das partes escolhidas. A criatividade é a síntese da liberdade imaginativa e da precisão inventiva, sendo que esta advém de uma análise meticulosa e, portanto, trata-se de uma consequência do que é justo.

 

Alberto Salvadori

Diretor da Fundação ICA Milano