Mira Schendel, batizada Myrrha Dagmar Dub, nasceu em Zurique em um período de crescente expansão do antissemitismo no oeste europeu. Filha única de Karl Leo Dub, de família tchecoslovaca de origem judaica, e Ada Saveria, de pai alemão e mãe italiana, Mira Schendel cresce na Itália após o casamento de sua mãe com o conde Tomaso Gnoli, então diretor da Biblioteca Estense Universitaria, em Módena.
Entre 1930 e 1936, iniciou sua prática em desenho nos cursos livres de arte. Em 1937, ingressou na Università Cattolica del Sacro Cuore, onde estudou Filosofia. Com o crescimento do fascismo e do antissemitismo no início da Segunda Guerra Mundial, foi obrigada a abandonar os estudos devido a um decreto-lei que proibia a inscrição de judeus estrangeiros nas escolas superiores. Ainda que sido batizada e crescido na fé católica, Mira era considerada judia por sua origem paterna. Em 1939, deixa a Itália em um período de dificuldades e desloca-se em um périplo por países do Leste Europeu. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Mira volta à Itália junto a seu marido Jossip Hargesheimer, onde permanecem primeiro em Milão e depois em Roma. Em 1949, o casal emigra rumo ao Brasil, estabelecendo-se inicialmente em Porto Alegre.
Registrada em seu novo país com o nome de casamento – Mirra Hargesheimer –, Mira passa a pintar e fazer cerâmicas e a frequentar a Escola de Belas Artes de Porto Alegre, paralelamente ao seu trabalho na Tipografia Mercantil. Em 1950, Mira realiza sua primeira individual, exibindo suas pinturas no auditório do jornal Correio do Povo, entre retratos, paisagens e naturezas-mortas. As reações positivas à exposição incentivaram Mira a enviar trabalhos para o júri de seleção da 1a Bienal de São Paulo (1951), para a qual é selecionada, participando com uma pintura. Dois anos depois, em 1953, estabelece-se em São Paulo, onde rapidamente ocupa um lugar de destaque na cena artística do país, que no período do pós-guerra vivia uma efervescência cultural com as inaugurações dos Museus de Arte Moderna e da Bienal de São Paulo. Em seus primeiros anos na cidade, aproximou-se do círculo de pensadores que logo se tornariam seus amigos, interlocutores e primeiros críticos: Mário Schenberg (1914-1990), Haroldo de Campos (1929-2003), Theon Spanudis (1915-1986) e Vilém Flusser (1920-1991). Em 1960, Mira casa-se com o livreiro Knut Schendel, com quem teve sua única filha, Ada Clara.
Na década de 1960, ao ser presenteada por Mário Schenberg com uma grande quantidade de papel de arroz japonês, Mira começa a realizar trabalhos que desenvolvem o sentido do vazio e da espacialidade em sua obra. Esse período é marcado por alguns de seus principais grupos de obras, como Trenzinho, Droguinhas, Objetos Gráficos e suas monotipias. Não obstante, Mira segue com outros trabalhos mais figurados, entre desenhos, pinturas e colagens. Na segunda metade da década de 1960, a artista volta à Europa pela primeira vez desde a imigração, e sua obra é exibida em Lisboa, Londres e, em 1968, na 34a edição da Bienal de Veneza.
A década de 1970 é marcada por transformações em seu trabalho. Das preocupações com a linguagem, a corporeidade e a transparência, que edificaram seus Toquinhos de elementos gráficos com letraset e papel, Mira passa também a experimentar novos motivos. Nessa década são feitas suas Mandalas e seu conjunto de telas e desenhos denominado I Ching, apresentado na 16a Bienal de São Paulo em 1981. Em 1974, criou a série Datiloscritos,em que datilografava letras, sinais, palavras e sentenças com uma máquina de escrever de cilindro grande. Também naquele período cria uma série de pinturas em papel que pode ser entendida como uma gênese da pintura em têmpera com folhas de ouro que a artista desenvolveria na década seguinte em maior número.
Suas pinturas em têmpera com aplicação de folhas de ouro são expostas em 1979 no 11o Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, mas somente em 1982 as obras são expostas de forma exclusiva na Galeria Paulo Figueiredo, também na capital paulista. Ainda nos anos 1980, Mira realiza seus Sarrafos, doze grandes pinturas em têmpera branca e gesso com sarrafos de madeira pintados com têmpera preta, parafusados na superfície pictórica. Nesse período a artista também desenvolveu trabalhos com pó de tijolo sobre madeira, os quais se comunicam visualmente com algumas de suas produções dos anos 1960.
A extensa obra de Mira, que a eleva a uma das principais artistas brasileiras do século 20, segue em constante circulação entre os principais museus e instituições artísticas. Na ocasião de sua individual no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1966, o poeta concreto Haroldo de Campos escreveu, em abril do mesmo ano, que o trabalho de Mira é “uma arte de vazios, onde a extrema redundância começa a gerar informação original; uma arte de palavras, onde o signo gráfico veste e desveste, vela e desvela”. No mesmo poema, o poeta continua: “uma arte-escritura, de cósmica poeira de palavras, uma semiótica arte de ícones, índices, símbolos, que deixa no branco da página seu rastro numinoso – esta é a arte de Mira Schendel”.
Entre suas últimas individuais recentes, destacam-se Esperar que a letra se forme, curada por Paulo Miyada e Galciani Neves no Instituto Tomie Ohtake (São Paulo, 2024); Sinais/Signals, curada por Paulo Venâncio Filho no Museu de Arte Moderna de São Paulo (São Paulo, 2018); Mira Schendel, curada por Tanya Barson e Taísa Palhares na Tate Modern (Londres, 2013), na Pinacoteca de São Paulo (São Paulo, 2014) e na Fundação Serralves (Porto, 2014); Mira Schendel, na Galerie National du Jeu de Paume (Paris, 2001). Em 2009, Mira teve suas obras expostas junto às de León Ferrari, em exposição curada por Luis Pérez-Oramas, intitulada Tangled Alphabets: León Ferrari and Mira Schendel, realizada no Museum of Modern Art – MoMA (Nova York, 2009), com itinerância no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madri, 2009) e na Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, 2010). Sua obra compõe coleções de instituições como: Pinacoteca de São Paulo; Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP); Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio); Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP); Museo Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA); Glenstone Museum, em Potomac, Maryland, Estados Unidos; The Art Institute of Chicago (AIC); The Museum of Fine Arts (MFA), em Houston; Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO), em Miami; The Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York; The San Francisco Museum of Modern Art (SFMOMA); Kunstsammlungen Museen, em Nuremberg; Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS), em Madri; Tate Modern, em Londres, entre outras.