Francisco Brennand: Um primitivo entre os modernos

Novembro 27, 2021 - Janeiro 29, 2022

 A Gomide & Co apresenta, com grande entusiasmo, a exposição “Francisco Brennand: Um primitivo entre os modernos”. Francisco Brennand (1927-2019) criou, ao longo de 50 anos, um imaginário próprio, que em sua oficina expandiu e atualizou, dando forma às imagens de seu universo sensível. Em 11 de novembro de 1971, o recifense iniciou suas intervenções na antiga Cerâmica São João, fábrica aberta por seu pai no bairro da Várzea, em Recife, dando origem ao espaço que hoje conhecemos como Oficina Brennand.

 

A exposição, inaugurada na Gomide & Co no dia 27 de novembro, tem a expografia assinada pela METRO Arquitetos Associados e curadoria de Julieta González. Conhecida pelo seu trabalho em instituições como o Museu de Artes do Bronx e o Tate Modern, ocupou até 2019 a direção artística do Museu Jumex, na Cidade do México. Em janeiro de 2022, irá assumir a direção artística de Inhotim.

 

A exposição é guiada pela afirmação do artista de uma consciência moderna, ao mesmo tempo em que reivindica sua ancestralidade, um coração antigo: “Minha arte é moderna. [...] E ela se refere sempre a uma ancestralidade, a uns arcaísmos e, sobretudo, a arquétipos. Então, neste momento, eu permaneço moderno e propositadamente antigo. Sobretudo quando trabalho com cerâmica.”

 

Nas palavras de Julieta González, “Brennand optou por trabalhar contra a corrente de abstração geométrica e mais perto da infexão primitivista que informava suas explorações de formas primitivas e arcaicas. Durante toda sua vida, ele desenvolveu uma linguagem pessoal independente das narrativas artísticas dominantes que informavam a arte de seus contemporâneos no Rio e em São Paulo. [...] A abordagem de Brennand parece orientada para um reencantamento que implicaria em um retorno à natureza, às tradições arcaicas e a uma visão alquímica que reside na transmutação de elementos e abre espaço para outras formas de vida, incluindo a de objetos aparentemente inanimados.”

 

É na Oficina Brennand que a poética do artista encontra sua totalidade. Júlia Rebouças, curadora residente da Oficina, pontua que “ao invocar ancestralidades e evocar cosmovisões, a Oficina existe como arte em seu estado imemorial. Ela se inscreve no tempo mineral da pedra, ainda que pertença à efemeridade da terra.” Na Oficina Brennand, a exposição teve a abertura realizada no dia 20 de novembro, poucos dias após a comemoração de 50 anos do ateliê vivo.

 

Na comemoração do cinquentenário da Oficina Brennand, a apresentação de sua obra em uma das casas da Vila Modernista, projetada em 1937 pelo arquiteto Flávio de Carvalho, alinha-se à busca desses ecos primitivos de modernidade. Para Julieta González, a ideia de domesticidade presente em suas cerâmicas, de um cotidiano sensível que subverte a materialidade e encontra nessa mutação da natureza uma resposta às inquietações do simples existir é o que compõe a curadoria de trabalhos apresentados.

 

“Ao caminhar por uma casa onde tudo foi projetado com um propósito [...] e onde os ladrilhos do chão representam os “cinco sentidos”, talvez outra dica do espírito animista minando o moderno, somos levados de uma cena “doméstica” para outra: uma natureza morta escultórica, em homenagem a Morandi, parece derreter-se e deformar-se como se animada por alguma vida interior; duas esferas são atacadas por pregos de tamanho exagerado; uma chaleira de dimensões agigantadas parece crescer vários bicos e um seio para tornar-se uma criatura viva.”

 

Em Fruto (1984) e Bicho (1984), seus volumes e o uso da cerâmica vitrificada conferem uma nova textura à natureza. Sua geometria se assume primitiva, crua. Seus traços são orgânicos como as relações invisíveis que atravessam os seres e os saberes. O mesmo ocorre em seus painéis (1982- 83), onde as linhas são dimensionadas e reorganizadas de modo que as sementes, a serpente, o caju e os diferentes motivos encontrados sejam reduzidos à fósseis. Em Cavalo de Troia (2000), a figura mitológica assume uma verticalidade fálica, recurso investigado por Brennand na composição de seu universo erótico. A relação do artista com a sexualidade nasce na medida em que sinaliza uma continuidade da vida, das forças e dos mistérios da natureza: ao mesmo tempo nascimento e destruição.

 

Ao longo de sua fértil produção, Brennand propôs uma série de marcadores plásticos e visuais para a cidade de Recife, e conquistou um espaço único na arte brasileira ao expandir as possibilidades da escultura cerâmica através de um vocabulário formal orgânico, de figuras configuradas e desfiguradas que assumem uma liberdade expressiva fantástica. Entre o animal e o vegetal, o doméstico e o selvagem, o modesto e o magnífco, Brennand realiza seus ensaios sobre os seres e sobre a natureza, seus ímpetos e suas serenidades.